10 nov
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A USP é a Grécia – iPL semanal número 32

Os últimos acontecimentos na Grécia e na USP apresentam elementos muito semelhantes, do ponto de vista da liderança. Em ambos, há arranjos institucionais inadequados (autonomia irrestrita aos países europeus com moeda única e privilégios à comunidade universitária sustentada com recursos públicos), grupos que se rebelam contra medidas tecnicamente necessárias e líderes incapazes de promover as mudanças transformadoras fundamentais.

“Nos dois casos, são necessárias mudanças profundas das crenças e valores dos envolvidos, seja na sociedade europeia, seja na comunidade da USP”, afirmou o Program Director do iPL João Brillo. “Muito além do anúncio de um pacote econômico ou da prisão de estudantes invasores, desafios de liderança envolvem uma disparidade entre valores e circunstâncias. Os líderes têm o papel de preencher esse gap.”

Alguns dos problemas vividos pelas sociedades têm origens técnicas, e podem ser resolvidos com alguma expertise e boa gestão. Outros, porém, são desafios de liderança, que necessitam mudanças do status quo. Neste caso, as coalizões políticas e a cultura das organizações entram em conflito com as novas necessidades da sociedade que as cerca. Seja a sociedade paulista, que já não aceita o privilégio de alguns grupos na USP, seja na União Europeia, que não mais admite que membros da organização mantenham autonomia irrestrita.

“O problema na USP não será resolvido com intervenção judicial e a crise da Grécia não acabará por conta da pressão do Banco Central Europeu. Muitos líderes falham ao tentar aplicar soluções técnicas a problema que requerem desfechos de liderança”, afirmou Brillo. Para ele, tanto no caso da USP como na crise da Grécia, a chave seria abrir mão da autonomia irrestrita que ambos insistem em manter. A USP, por receber recurso público, deve satisfações ao Estado e à sociedade. A Grécia já deveria ter aberto mão de alguma autonomia em diversas dimensões, quando decidiu entrar para a União Europeia, há 30 anos (na época, ainda CEE).

Escolhas entre soluções técnicas e desafios liderança acontecem a toda hora, de acordo com o especialista Ronald Heifetz, autor de livros como Leadership on the Line e The Practice of Adaptive Leadership.  A estratégia de gestão tradicional é útil para lidar com problemas técnicos. No entanto, situações que confrontam crenças e valores com “soluções” técnicas tendem a ter os problemas exacerbados.

Muitos líderes evitam enfrentar desafios de liderança, recorrendo a soluções técnicas que não resolvem os desafios mais profundos da sociedade e das empresas. “Uma maneira de saber se o que há realmente é um desafio de liderança em sua organização é a persistência do problema mesmo depois de uma série de tentativas de resoluções técnicas”, disse Brillo. “As pessoas estão envolvidas em seus padrões e, assim, tornas-se mais difícil conseguir visualizar a ‘big picture’ para que se compreenda o problema completamente.”

Um case interessante sobre como os líderes podem construir soluções de liderança trata do relacionamento da companhia Barilla com sua equipe de Vendas. Então maior produtora de macarrão do mundo, a companhia decidiu implementar um novo sistema em que passaria a definir o volume de pedidos dos seus distribuidores. Para ter sucesso nessa estratégia, teve de tornar seus vendedores os melhores parceiros no gerenciamento de estoques dos clientes. Foi necessária a mudança de mindset, de comportamentos, da criação de histórias de sucesso, e humildade do líder para ouvir e apoiar os vendedores na descoberta de seu novo papel. Ao contrário, se a mudança tivesse sido imposta com regras políticas, punições e premiações, simplesmente, a nova estratégia da companhia estaria condenada ao fracasso.

No dia-a-dia das empresas, o iPL tem visto o uso de elementos técnicos em momentos que exigiam liderança transformadora, especialmente em casos que buscam aceleração de inovação, foco no cliente, aumento da eficiência e maior preocupação com resultados financeiros. A questão que colocamos aos líderes é sobre como suas decisões serão tomadas: com mecanismos técnicos de comando e controle? Ou com uso inteligente de políticas e ações de coordenação, integração e colaboração, que transformem o contexto político e cultural da empresa? Hoje, continuamos no impasse: a solução técnica fez com que ainda mais estudantes se mobilizassem contra as demandas do Estado e da sociedade. Ao mesmo tempo, a crise grega continua se espalhando para outros países, com a queda de chefes de governos, como Berlusconi.

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